Por Dorival Oliveira

– Esse balcão precisa ficar impecável!

– Pra que limpar o balcão? Eles sujam tudo de graxa mesmo!

– Se eles sujarem, a gente limpa de novo. E de novo. E de novo.”

Aos 15 anos, no meu primeiro emprego, as ordens de meu pai não faziam muito sentido. Mas, mesmo a contragosto, eu as cumpria. Por duas fortes razões: eu precisava ajudá-lo e também queria aprender uma profissão. Ele tinha comprado a loja de autopeças depois de anos como empregado em outra empresa. Era um sonho e também uma oportunidade para a família.

O cotidiano era duro. Chegávamos cedo todos os dias e tínhamos que lavar os banheiros, varrer tudo, limpar o tal balcão. Diante dos protestos juvenis, ele me explicava com uma paciência paternal: “tudo precisa estar brilhando para receber nossos clientes”. E nossos clientes eram os mecânicos.

Num belo dia, compramos uma bicicleta. Mas não demorei a descobrir que não era exatamente um prêmio porque estava ajudando na loja. A magrela estava ali para que eu pudesse entregar mais rapidamente nas oficinas as peças que fossem solicitadas com urgência pelos mecânicos. Às vezes, eles ligavam depois e diziam que não precisavam mais da tal peça. E lá ia eu de novo retirar o pedido devolvido – nem sempre no mesmo estado em que o entregamos, vale lembrar.

Aquilo me incomodava. E meu pai, mais uma vez, incansavelmente, explicava: “precisamos prestar esse serviço ao cliente para que ele não vá ao nosso concorrente. Para ele continuar vindo aqui, a gente precisa prestar o melhor atendimento.”

Em algumas ocasiões, não havia a peça solicitada em nosso estoque. Já entendeu, né?! Sobrava pra mim de novo. Eu tinha de ir correndo até o distribuidor, pegar a peça, levar ao mecânico e – pasmem – vendíamos pelo mesmo preço que pagávamos!

Eu questionava, mesmo que em tom de brincadeira: “mas a gente não cobra nem pelo meu serviço?!” Para meu pai, estávamos ganhando na medida em que aqueles mecânicos priorizavam a nossa loja em vez de irem ao concorrente; eles sabiam que iríamos resolver o problema deles. E não perdia a oportunidade de recitar a frase que já ia virando quase um mantra: “o cliente sempre tem razão”.

Via meu pai quebrando a cabeça para encontrar novas maneiras de “catalisar” a clientela, como ele dizia. A gente não dispunha de computador nem banco de dados com inteligência artificial. Um dos segredos daquela loja estava em um modesto caderninho, no qual meu pai anotava qual fornecedor o “seo João” gostava para a peça A, mas para a peça B era outro. Quando caía um pedido, ele já sabia a preferência e encaminhava a marca correta.

Ainda que naquela época ficar nesse vaivém me deixasse irritado, as lições de meu pai foram aprendidas e nunca esquecidas. Meu pai e meu avô, de forma intuitiva, ofereciam um sistema de delivery e tinham uma política de recall eficiente, com foco na necessidade real do cliente.

A diretriz da loja era satisfazer o cliente e aumentar o faturamento. Eu queria mesmo era saber quanto sobraria no final do mês. Meu pai encarava o lucro como resultado de um trabalho bem feito. Seu objetivo era conquistar mais e mais mecânicos numa época em que a oferta era bem superior à demanda.

Como nossa economia é muito exposta a altos e baixos, uma hora o jogo virou. A oferta ficou bem menor que a demanda. Nesse tempo, os mecânicos chegavam a propor pagar ágio pelas nossas peças. Aquilo nunca mais me saiu da cabeça.

Pode até parecer uma obviedade, mas nem toda empresa, por uma série de fatores, consegue efetivamente incorporar aos seus processos e produtos esse mantra que meu pai exaustivamente repetia.

Em ambientes extremamente competitivos, em que a oferta é positiva em relação à demanda, a experiência do cliente faz toda a diferença. É questão de sobrevivência. Um dia desses, vi minha filha e minha mulher experimentando roupas que uma loja havia enviado para nossa casa para que escolhessem o novo look. Sorri ao lembrar das minhas jornadas de bicicleta quando levava peças até as oficinas mecânicas.

Hoje, atuo naquela que é a maior e mais conhecida empresa de serviço rápido de alimentação do mundo. A nossa marca tem mais de 36 mil restaurantes distribuídos por 119 países. Emprega 2 milhões de funcionários, que atendem diariamente mais de 70 milhões de clientes.

Você pode pensar que uma marca tão consolidada não precise ter o mesmo tipo de obsessão que meu pai demonstrava. Ao contrário! A responsabilidade em decifrar os clientes é proporcional ao nosso tamanho. Inauguramos, no ano passado, a milésima loja do “Méqui” no Brasil porque queremos ficar ainda mais próximos de quem escolhe um de nossos restaurantes para fazer suas refeições.

Fizemos uma série de mudanças nos últimos anos, que envolvem desde treinamento de nossas pessoas até layout das lojas e cardápio. Incorporamos tecnologia não só para eficiência do processo operacional, mas sobretudo para fazer com que o cliente na ponta seja atendido de maneira mais informal, personalizada e encontre nos restaurantes o que cada um está procurando, tendo sempre vontade de voltar em vez de bater na porta da concorrência.

Não à toa, invariavelmente, toda semana visito nossos restaurantes para conhecer como nossos clientes estão sendo recebidos. Aqueles dias atendendo carinhosamente nossos fregueses foi o maior legado que meu pai me deixou. Nenhum de nós poderia imaginar que um dia eu trabalharia em uma empresa global em que o cliente, assim como na loja de autopeças, precisa ser acolhido com especial atenção. E o balcão, claro, precisa estar um brinco, tendo atrás dele pessoas atenciosas e sorridentes.

Neste mês, meu pai completa 85 anos e continua trabalhando todos os dias como representante comercial. Sempre que falamos sobre os negócios, ele afirma: ”não sou um tirador de pedido. Acompanho meus clientes durante a venda e no pós-venda, pois cliente satisfeito é a garantia do negócio”.

Bravo, meu pai!

PS: Enquanto escrevia este artigo, encontrei na minha adega esta relíquia – uma reserva especial com o nome da loja de meu pai (De Tota), que, claro, ele tinha sempre em estoque para presentear os melhores clientes. Nada como um bom vinho pra “catalisar” a clientela, não é mesmo?! 😉

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